
Entendendo a Origem dos Precatórios
A palavra “precatório” possui uma origem interessante, derivando do latim “deprecare”, que significa rogar ou suplicar. Esse conceito remonta ao direito português, onde um súdito com um crédito a receber da Coroa não podia simplesmente exigir o pagamento. Era necessário apresentar um pedido formal, conhecido como precatório de mercê, para que a quitação do débito fosse autorizada. Documentos do século XVI já indicavam decisões que ordenavam o pagamento de dívidas da realeza, solidificando a ideia de que a execução de obrigações por parte do poder soberano precisava de uma solicitação formal.
No Brasil, após a Proclamação da República em 1889, a falta de um mecanismo eficiente para a execução de sentenças contra o Estado resultou em um ambiente de clientelismo e insegurança jurídica. Durante a Primeira República, a quitação de créditos judiciais pela Fazenda Pública não seguia normas objetivas, e influências políticas decidiam quem seria pago primeiro. Embora as leis da época, influenciadas pelas Ordenações Filipinas, permitissem a penhora de bens públicos, essa prática era raramente aplicada.
A Revolução Institucional com a Constituição de 1934
Foi com a Constituição de 1934, no governo de Getúlio Vargas, que houve uma transformação significativa no regime dos precatórios. O artigo 182 estabeleceu que o pagamento de dívidas pela Fazenda Federal, decorrentes de sentenças judiciais, deveria respeitar a ordem cronológica de apresentação dos precatórios e a disponibilidade orçamentária. Além disso, a nova Constituição proibia a inclusão de nomes específicos nas verbas orçamentárias destinadas ao pagamento, inaugurando o princípio da impessoalidade na quitação dessas obrigações.
O modelo foi aprimorado pela Constituição de 1988, que, na sua essência, introduziu regras mais claras e rigorosas. O artigo 100 da nova Constituição definiu que os precatórios deveriam ser pagos até o final do exercício seguinte ao da sua inclusão orçamentária, sob pena de sequestro de verbas públicas. Uma inovação importante foi a separação entre precatórios de natureza alimentícia, como salários e pensões, e os de natureza comum, garantindo prioridade absoluta aos primeiros.
Prioridade dos Precatórios Alimentares

A distinção entre os tipos de precatórios não é apenas categórica: a Constituição assegura que os precatórios alimentares sejam pagos antes de qualquer outro. Essa determinação está claramente estabelecida no §1º do artigo 100 da Constituição, que reflete uma opção deliberada para proteger os direitos fundamentais de subsistência, corroborada por uma interpretação justa do Supremo Tribunal Federal.
Essa proteção à dignidade humana e à previsibilidade de recebimentos evidencia o caráter dos precatórios como um instrumento de responsabilização do Estado. A troca de uma técnica orçamentária por um compromisso institucional enfatiza a importância do cumprimento das decisões judiciais de forma imparcial, cronológica e vinculante.
Os Precatórios Como um Mecanismo Institucional
O sistema de precatórios não representa um privilégio ou uma exceção: é um mecanismo essencial de limitação do arbítrio público. Ele impõe restrições concretas à liberdade financeira dos entes federativos, condicionando-os ao dever de reparar danos causados judicialmente. O regime serve como uma tradução prática da supremacia do direito sobre as ações políticas arbitrárias.
Assim, os precatórios não são uma liberalidade da administração pública, nem tampouco se configuram como despesas discricionárias. Eles representam a devolução de valores que foram indevidamente apropriados, muitas vezes após longas batalhas judiciais por parte da Fazenda. Trata-se de uma indemnização compulsória, orientada pelo Poder Judiciário em virtude de violações anteriormente cometidas.
A Morosidade e os Desafios dos Precatórios
No Brasil, esses pagamentos frequentemente se tornaram um tipo de direito hereditário. Infelizmente, credores originais frequentemente falecem antes que seus direitos sejam respeitados, repassando a longa e incerta espera a seus herdeiros. A lentidão administrativa e legislativa na execução de decisões judiciais compromete não apenas a eficácia dos direitos, mas também a autoridade do Judiciário.
Desafios Recentes: Propostas de Emenda Constitucional
Um fator alarmante nesse cenário é a Proposta de Emenda Constitucional nº 66/2023, que, sob a justificativa de “alívio fiscal”, busca reconfigurar o regime de precatórios. Essa PEC é considerada por muitos como um dos retrocessos mais graves propostos desde a Constituição de 1988. A proposta sugere a eliminação da Selic como índice de correção e estabelece uma taxa de juros fixa de apenas 2% ao ano para débitos judiciais, criando uma estrutura desigual que favorece o Estado devedor.
Nesse modelo proposto, se a Selic estiver abaixo de 2%, este valor será utilizado como base, mas caso a taxa seja maior, o teto permanecerá nos 2%, resultando em prejuízos para os credores devido à inércia do Estado no cumprimento de suas obrigações. Isso não apenas facilita a inadimplência pública, mas também penaliza aqueles que deveriam ser os favorecidos pelas decisões judiciais.
Constitucionalidade e Justiça

A PEC 66/2023 não é simplesmente uma questão de estratégia fiscal; é uma séria ameaça à ordem constitucional. Ela viola princípios fundamentais como a segurança jurídica e o acesso à justiça. Essa proposta ignora as reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal que já consideraram inconstitucionais tentativas anteriores de criar moratórias disfarçadas sobre os pagamentos de precatórios.
As imposições do Estado após condenação não devem ser vistas como renegociação, mas como uma imposição unilateral que deslegitima o papel do Judiciário, transformando-o em um mero formalismo que reconhece o direito, mas se recusa a concretizá-lo.
Consequências e Ação Necessária
A aprovação dessa proposta representaria não apenas sérios prejuízos financeiros aos credores, mas um comprometimento da estrutura legal de responsabilidade estatal. Isso afeta diretamente a confiança da sociedade nas instituições que devem garantir o respeito às decisões judiciais e à moralidade administrativa. Um governo que recusa cumprir suas obrigações judiciais renuncia à sua legitimidade, enquanto um Parlamento que acolhe essa recusa compromete os fundamentos da Constituição.
Este não é um ajuste fiscal, mas um ajuste institucional em detrimento do Estado de Direito. Se essa, já polêmica, proposta for aprovada, estaremos diante de um desvio histórico que não pode ser medido apenas em termos financeiros, mas pela erosão da confiança pública em nossos sistemas legais e instituições. A sociedade civil deve estar alerta para essa transformação do calote estatal, que corrompe a ordem constitucional.
Para mais informações sobre o impacto dos precatórios e outros temas econômicos relevantes, visite o site da Capital Evolutivo. Eles fornecem uma variedade de recursos que podem ajudar você a entender melhor as nuances dessas questões.
Além disso, para informações oficiais e confiáveis, você pode acessar sites como o do Banco Central ou a CVM.